Quando o temporário vira definitivo

Meus leitores, depois de uma ano de convivência, já tem uma boa ideia das minhas  preferências. A PIMCO, uma das maiores gestoras de renda fixa do mundo, só tem fera, e não é atoa que tem sob sua gestão US$ 1,8 trilhão.
Eles tem sido grandes críticos das políticas usadas pelo BCs, ao injetarem quantias muito expressivas, num experimento econômico nunca antes tentado. 
Hoje no Estadão foi publicado um artigo por Mohamed A. El-Erian, onde explica didaticamente os passos da crise que vivemos, e sua opinião sobre o futuro. O título do post de hoje, me apoderei deste artigo, os estímulos que eram para ser temporários estão se tornando permanentes. É como num doente em estado terminal, não da para viver sob efeito da morfina ad infinitum!

A irresponsabilidade responsável dos BCs

Muitos puristas em matéria de política monetária não reconhecerão o que os bancos centrais da Europa e dos Estados Unidos estão fazendo hoje em dia. E os que reconhecem provavelmente mostram-se indignados pelo fato de esses guardiões tradicionais da estabilidade monetária terem se aventurado em território desconhecido - uma situação que indubitavelmente os críticos consideram desaconselhável, se não perigosa.
Essas reações são compreensíveis. Entretanto, a confusão e a indignação não são as respostas corretas para o restante de nós. Seja você um governo, um investidor ou um cidadão preocupado - tanto no Ocidente quanto numa economia emergente como a do Brasil -, é preciso compreender o motivo pelo qual o Banco Central Europeu (BCE) e o Federal Reserve (Fed, banco central americano) se afastaram tanto da atividade convencional dos bancos centrais; e o que isso significa para a economia global como um todo, e para cada país individualmente.
Assim como os órgãos fiscais, os dirigentes de bancos centrais reagiram de maneira agressiva à calamidade da crise financeira global de 2008. Ansiosos por evitar uma depressão econômica, reduziram os juros a zero, abriram todo tipo de janelas de financiamento de emergência para manter vivos os bancos, e injetaram liquidez na economia por todas as vias que puderam conceber.
Desde o começo, a ideia era que esse tipo de política não usual fosse temporária e reversível. Na realidade, muito tempo e esforços foram gastos para planejar "estratégias de saída" que permitissem aos bancos centrais voltar à "normalidade" de maneira ordenada e tempestiva.
Entretanto, não houve nenhuma saída. Pelo contrário, as autoridades do setor acabaram enredadas de forma cada vez mais profunda - muito profunda - na experimentação.
Quando os juros zero se revelaram insuficientes para sanar a enfermidade econômica, o Fed sentiu-se obrigado a fornecer uma "orientação sobre a política futura" sem precedentes. Ele sinalizou ter forte expectativa de que os juros permanecessem em nível zero até pelo menos o final de 2014. E, afirmando que podia antever até aquele ponto afastado do futuro, abandonou o conceito consagrado de que a política monetária funciona com "defasagens longas e variáveis".
Essa não foi a única coisa impensável. O Fed comprou agressivamente títulos do governo americano e títulos lastreados em hipotecas. Do outro lado do Atlântico, o BCE adquiriu trilhões de títulos emitidos por membros combalidos da zona do euro. E inclusive encontrou uma maneira indireta de transferir recursos para o governo grego a fim de permitir que este cumprisse suas obrigações da dívida para com o próprio BCE.
Os números estão se tornando muito, muito grandes, especialmente porque ambos os bancos centrais assinalaram a intenção de fazer ainda mais. O BCE já aumentou seu balanço para mais de 30% do Produto Interno Bruto (PIB) e o Fed para mais de 20% (e notem que o Banco da Inglaterra e o Banco do Japão estão no mesmo jogo).
Ao impor uma presença cada vez maior nos mercados, os bancos centrais distorceram a liquidez, os sinais emitidos pelos preços e o conteúdo da informação. Em alguns casos, até o fornecimento de serviços financeiros ao público foi prejudicado (incluindo instrumentos de poupança do mercado monetário, aposentadorias e seguros de vida).
Imaginem se os bancos centrais de outras partes do mundo tentassem esse tipo de coisa. Acusações de irresponsabilidade seriam desferidas do Ocidente. Entretanto, ironicamente, os dirigentes de bancos centrais da Europa e dos EUA acham que, na realidade, é um ato de responsabilidade para eles agir de forma irresponsável.
Os dirigentes dos bancos centrais dirão a você que não tinham outra escolha senão enveredar no território de uma política desconhecida. Afinal, apesar do maciço estímulo monetário (e fiscal), a economia americana continuou lerda e o desemprego ainda é excessivamente elevado. Ao mesmo tempo, a Europa permanece às voltas com uma crise da dívida que começou na Grécia em 2009 e se espalhou em todas as direções. Até a Alemanha, motor econômico do continente e o país que empreendeu as reformas estruturais mais profundas, agora está desacelerando de forma marcante.
Por causa da paralisia política e da polarização, os dirigentes dos bancos centrais parecem ser as únicas autoridades econômicas dispostas e capazes de reagir a esses desafios inusitados. Sem dúvida, estão usando instrumentos imperfeitos. Sem dúvida, os resultados das suas decisões envolvem danos colaterais e consequências não intencionais. Mas eles consideram tudo isso preferível à alternativa de não fazer nada.
Suspeito que os dirigentes dos bancos centrais, seja na Europa ou nos EUA, se dão conta de que - agindo por conta própria - não conseguem chegar aos resultados indispensáveis de crescimento, emprego e estabilidade financeira. Mais do que a garantia de chegar ao destino, eles estão definindo a jornada. Eles constroem pontes, esperando ganhar tempo para que políticos e outras entidades governamentais superem suas disputas e hesitações.
O tempo dirá se a estratégia funcionará. Enquanto isso, o resto do mundo não tem outra escolha se não adaptar-se a essa irresponsabilidade responsável.
Quanto mais liquidez os bancos centrais do Ocidente injetarem em suas economias, maior será o respingo em outros países. O resultado é algo que já foi experimentado por países como o Brasil: uma volatilidade consideravelmente maior da taxa de câmbio, fluxos de capital desorganizadores e o aumento das tensões entre a realidade interna e externa.
O Brasil e outros países emergentes com mais capacidade de reação responderam recalibrando a política macroeconômica. Cortaram agressivamente os juros, intensificando ao mesmo tempo o aperto da política fiscal e procuraram aprimorar as reformas estruturais.
Entretanto, ainda estamos no começo. Serão necessários novos ajustes nos próximos meses e anos à medida que os bancos centrais do Ocidente implementarem novas políticas não convencionais, e que os efeitos a prazo mais longo das políticas não convencionais se tornem mais visíveis. E não será fácil. As respostas em termos de política econômica serão difíceis de determinar com precisão, do ponto de vista analítico, principalmente porque tudo isso está acontecendo virtualmente sem nenhuma coordenação política global.
Não tenham dúvida. Ainda que a maioria dos países prefira se limitar ao papel de observador, na realidade eles são participantes involuntários em um dos maiores experimentos de política monetária de todos os tempos. O mundo inteiro se beneficiaria do sucesso dessa tarefa sem precedentes _ afinal, a Europa e os EUA são as âncoras do sistema monetário internacional dos nossos dias, e continuarão sendo por muito tempo. No entanto, ao mesmo tempo que torcemos pelo sucesso, faríamos bem em pensar também na variedade de medidas de contingência necessárias para lidar com os danos colaterais e as consequências indesejadas.
Fique ligado!

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